O Prêmio Experiências Educacionais Inclusivas - a escola aprendendo com as diferenças - valoriza as iniciativas de quem trabalha para garantir o direito de todos à educação. São diretores, equipe docente, alunos, pais, entre outros, que colocam na prática políticas, programas e ações para efetivar o direito à educação dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Um reconhecimento às escolas que trabalham para garantir o acesso, a participação e a aprendizagem de todos os alunos. Inscrições de 16 de novembro de 2009 a 12 de março de 2010.
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;) Massa!
sábado, 30 de janeiro de 2010
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
EXISTEM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA?
THAÍS TAVARES DA SILVA
Resumo
Quando falamos sobre inclusão ou exclusão social, falta de acessibilidade das pessoas com deficiência aos diversos setores de nossa sociedade, é preciso ter em mente que as ações desta sociedade são pautadas pela maneira como pensa e vê as pessoas com deficiência.
O objetivo deste trabalho, desse modo, é compartilhar, ou até mesmo, cumpliciar questionamentos que desconfio não serem apenas meus. Compartilhar mais provocações do que mesmo soluções. Mais reflexões do que conclusões. E acredito, sinceramente, que é assim que deve ser. O ponto final ou a expressão “está pronto e acabado” por vezes constitui precocidade e equívoco. Tal fato torna-se ainda mais evidente quando o objeto de reflexão trata dos conceitos atribuídos às pessoas com deficiência Atualmente até mesmo para fazermos uso da expressão “pessoa com deficiência” existiu (ou existe) um longo e lento processo de transição, eivado por discussões várias, tendo em vista a ampla utilização de tantos outros termos, dentre eles: portador de deficiência, deficiente, excepcional, pessoas especiais.
O termo “deficiente” atribuído, via de regra, aos membros de uma sociedade que apresentem alguma forma de “anormalidade” ou de “diferenciação” perante os demais, quer no domínio cognitivo, afetivo ou motor, tem sido objeto de críticas e discussões entre os profissionais que lidam com os indivíduos assim designados. (CARMO, p.09)
Entretanto, apesar de ser objetivo deste trabalho a reflexão até mesmo do conceito de pessoa com deficiência e dos demais termos a estas relacionados, não pretendo entrar no mérito das correções, adequações ou inadequações destes termos. Pretendo sim, questionar a impetuosidade destas conceituações sobre o sujeito em questão: a pessoa com deficiência. Mais do que isso, correlacionar tal fato à realidade de exclusão vivida por estas pessoas. Nesse momento as trato de pessoas, apesar de na nossa sociedade serem reconhecidas apenas como “pessoas com deficiência” e, acima de tudo, sofrerem as graves conseqüências desta categorização. Pergunto: até quando o papel do psicólogo na sociedade será o de categorizar, diagnosticar e conduzir o indivíduo de volta à sociedade em que estamos inseridos? Quando disporá de suas técnicas e conhecimentos em favor da transformação da realidade e das conseqüências que sofrem os indivíduos de determinados grupos? Quando os profissionais da Psicologia se preocuparão menos em dar nomes aos sujeitos, alimentando voluntário ou involuntariamente a segregação e se preocuparão mais em conhecer, discutir e intervir nas conseqüências que tais categorizações causam aos sujeitos de determinados grupos e categorias? Mais do que isso: até quando esse será o comportamento adotado por todos nós? Esse trabalho apresenta, portanto, a simbólica tentativa de convidar o leitor a ver a imagem oculta da pessoa refletida sobre àquela tida como “pessoa com deficiência”. Devemos ter em mente que estas só se tornaram ao nosso olhar “com deficiência” porque temos pré-concebido o conceito de eficiência, e em antagonia ao conceito de eficiência surgem as pessoas com deficiência. Mais do que conceitualmente, a ineficiência destas pessoas passa a surgir quando do encontro com a deficiência da sociedade em oferecer os recursos necessários e que lhes são de direito para participarem igualitariamente do que a sociedade oferece: educação, saúde, esporte, lazer, trabalho, espaços físicos, turismo, etc. Caso contrário, se estivéssemos adequadamente qualificados, tanto em nível conceitual quanto atitudinal, talvez atentaríamos menos ao fato de determinada pessoa não enxergar, não ouvir, não andar. Seriam apenas pessoas. Com todas as suas vantagens e desvantagens em relação às outras, como é natural de todos nós. E uma de suas desvantagens em relação à outra pessoa não se tornaria o motivo de ser ou não ser reconhecida na sociedade que participa. Dessa maneira, a deficiência existe sim, mas a pessoa com deficiência não existe. Não existem pessoas com deficiência, o que existe é uma sociedade incapaz de aceitar outras formas de normalidade, incapaz de reconhecer que o normal é ser diferente e incapaz de suscitar condições para tornar outros padrões de normalidade viáveis.
Todos nós temos características, sejam físicas ou de personalidade, positivas ou negativas, excesso ou falta. As pessoas com deficiência também possuem tais características, no entanto, nestas há a sobreposição das características físicas, sensoriais, motoras, anatômicas etc. - em especial, as diferenças ou peculiaridades existentes nestas. Por exemplo: quando uma mulher chamada Cláudia que vende bijuterias e tem um cabelo lindo, filha de José e de Maria e que precisa usar cadeira de rodas, entra numa sala, ela não é mais Cláudia, que vende bijuterias, etc., ela é deficiente. Essa é a primeira característica a ser notada e sobressai às demais em qualquer lugar que ela se apresente. Quando queremos identificar alguém no meio da multidão, buscamos uma característica que a diferencie e a ajude a ser encontrada. Em geral, buscamos a cor ou tipo de roupa, o tamanho do cabelo, a estatura da pessoa, entre outros. Se a pessoa procurada possui como uma de suas características o fato de precisar usar uma cadeira de rodas, fica bem mais fácil encontrá-la ou diferenciá-la no meio da multidão, pois a idéia de que ser cadeirante é muito mais diferente do que ser baixo ou alto em relação a outras pessoas, está impregnada no consciente, inconsciente, subconsciente. Eu digo o que vejo. Eu faço o que penso. A maneira como vemos as situações é embasada no conceito formado e preestabelecido em nossas consciências. Conceitos sócio-historicos e culturalmente construídos. E que por atravessarem gerações apresentam-se rígidos, quase indestrutíveis, impossíveis de alterar, transformar. Como hoje, depois de todo esse tempo, ao olhar para uma determinada cor e identificá-la como azul, passar a chamá-la de branco? Se todo mundo chama de azul e me ensinaram que é azul? De que maneira poderia chamá-la de branco? Mas, quem foi que resolveu dizer que seria azul o seu nome? E por que decidiu isso? Difícil não? Se formos entrar no mérito do nome que se dá a cada coisa, objeto, característica, pessoa, animal, seria difícil mesmo. Mas não é esse o intuito. Quem foi que resolveu chamar as pessoas que precisam usar cadeira de rodas, ou não podem ouvir, ou não podem enxergar, de cadeirantes, surdas e cegas, respectivamente? Mas, saber essa resposta também não é o intuito aqui. Intriga-me saber por que diante da diversidade de características do ser humano, nas realidades citadas, umas se tornam tão diferentes e superiores às outras? Por serem mais notórias? Será? Talvez ao me deparar com uma pessoa que não pode ouvir, sem saber que ela possui essa característica, eu enxergue alguma outra que a diferencie aos meus olhos. Mas ao saber, ao perceber que ela não pode ouvir, ela automaticamente se torna a pessoa surda. Como se a surdez fosse uma característica mais diferente do que qualquer outra que a pessoa possui. E realmente é, não porque é, mas por que se tornou. Porque nada é “porque é”, tudo é “porque se torna”. E será que precisa ser pra sempre? Talvez eu não me importe que uma cor seja chamada de azul para sempre. Talvez eu não me importe em mudar seu nome para branco. Isso não interfere diretamente na minha vida, não me traz transtornos, não há um motivo especial, urgente ou necessário para haver essa modificação. Deve ser essa mesma lógica que seguimos ao continuar sem modificar nossos conceitos acerca das pessoas com deficiência. Isso não interfere diretamente nas nossas vidas, não nos traz transtornos, e nem constitui um motivo especial, urgente ou necessário. Qual a diferença em chamá-la de surda ou surda-muda, ou cega ou ceguinha, ou aleijada etc.? Eu lhes digo a diferença - ou ao menos a diferença que consigo enxergar: a diferença não está no nome que damos, mas em toda a construção conceitual, toda a significação que o nome traz. Essa significação traz a maneira como nos comportaremos, as nossas atitudes ao nos depararmos com a coisa. Se a construção elaborada em minha consciência sobre um bandido é de que ele anda mal-arrumado, com roupas específicas, tatuagens, entre outros, minha reação diante de alguém que eu encontre com essas características será de medo, pavor, aversão.
“As palavras são expressões verbais criadas a partir de uma imagem que a nossa mente constrói.” (RIBAS, p.08)
Ao nos referirmos à determinada pessoa como cega ou surda, por exemplo, revelamos que esta é a imagem que temos daquela pessoa, a primeira e/ou principal imagem que temos. Certamente, porém, aquela pessoa que não enxerga possui outras características, mas “ser cego” acaba por sobressair-se às demais, distinguindo-a ou diferenciado-a enfaticamente/pejorativamente das demais pessoas “não-cegas”, iniciando, a partir daí, o primeiro ou um dos primeiros passos rumo a uma atitude excludente. Na tentativa de ser mais clara, a característica de não poder ouvir, enxergar ou qualquer tipo de deficiência, acaba por ser o referencial na vida da pessoa. É positivo que o referencial na vida de uma pessoa seja a deficiência? Quando chamo uma pessoa de cega não estou valorizando-a como pessoa, em sua totalidade e diversidade de características e conteúdos, estou revelando que a maior diferença entre ela e as demais é que não pode enxergar.
“As pessoas deficientes talvez sejam um pouco mais diferentes, já que podem possuir sinais ou seqüelas mais notáveis.” (RIBAS, p.13)
Por que são mais notáveis? O que faz a notoriedade é a importância que damos: a elaboração ou construção que fazemos em nossa mente sobre a deficiência. Não daríamos valor ao ouro se não soubéssemos o que ele significa. Não é porque ele é mais notável, ou brilha, reluz mais. Vidro também reluz. A notoriedade atribuída à deficiência é pelo significado que ela tem em nossas mentes. A identidade daquela pessoa passa a girar em torno do fato de que ela não pode enxergar. Ainda que me policie e passe a chamar todas as pessoas com deficiência ou não, pelos seus respectivos nomes (Roberto, Ana Maria, por exemplo), está intrínseca à mente de nossa sociedade a supervalorização da deficiência em detrimento das potencialidades da pessoa. Quero dizer que o fato de chamá-los de cegos, surdos, cadeirantes já traz intrínseca a idéia de exaltação do que a pessoa não pode fazer. Essa atitude por si só constitui-se num passo significativo à exclusão. O problema, no entanto, não reside no nome que se dá, mas na supervalorização do nome que se dá, do adjetivo. Quando faço crítica a essa supervalorização do adjetivo deixo de lado a hipocrisia e me detenho a comentar que nada há de bonito em não poder enxergar, ouvir ou andar. Não consigo ver beleza, encontrar benefícios em tal fato: acredito que por isso se chama deficiência; por isso se deu esse nome que carrega como significado, segundo o Aurélio: “falta, carência, insuficiência”. O que não deixa de ser verdade, falta de visão ou insuficiência de audição. Não é isso que está em questão. Todos nós somos adjetivados o tempo inteiro. Adjetivos positivos, outros negativos, outros apenas adjetivos. O alvo de nossa reflexão reside no fato de ser quase que unanimidade a ênfase da deficiência nas pessoas que as vivem. Não há nada de glorioso em chamar qualquer que seja a pessoa, de pessoa com deficiência. Se estamos diante de uma pessoa com deficiência, revelamos que há falta, carência, insuficiência de algo nela. E lhes pergunto: que vantagem há nisso? Mais ainda. Numa sociedade que supervaloriza a estética, o trabalho, a produtividade, a forma física, a “perfeição” e que institui um padrão de pessoa “normal”, que vantagem há em ser uma “pessoa com deficiência”? Não consigo encontrar benefícios. Mas reconheço a necessidade de adjetivá-las, de separar pessoas com determinadas características num grupo denominado “pessoas com deficiência”. Reconheço essa necessidade quando para discutir seus direitos ou assuntos pertinentes à inclusão social de tais pessoas - pois ainda não alcançamos tal patamar - mas questiono a necessidade que há em supervalorizarmos esses adjetivos no cotidiano, no dia-a-dia. Questiono essa igualdade ou política de igualdade que supervaloriza a deficiência da pessoa, como querendo que a deficiência seja vista como uma coisa positiva. Que paradoxo! Questiono essa política que quer obrigar nossas mentes e as próprias mentes gestoras de tal política, a aceitar ou reconhecer a cegueira, surdez como uma característica tão positiva quanto outras, na tentativa de minimização de um assunto tão sério. Nossas mentes aprenderam a funcionar sempre destacando as características negativas das pessoas. E após detectarem as características negativas, automaticamente, essas pessoas são segregadas e marginalizadas. Refiro-me aqui, também, às pessoas que cometem furtos, que viram ladras e agora essa passa a ser sua principal característica. Como se esta pessoa furtasse o dia inteiro e todos os dias. Quem é cego, certamente é cego o dia inteiro e todos os dias, mas certamente não é apenas cego. Por isso, quando denominamos alguém de pessoa com deficiência, já damos o primeiro passo à exclusão. Deficiência não é positivo, principalmente a imagem que construímos a seu respeito em nossas mentes. E em nossa sociedade o adjetivo que soa negativo, seja ele, deficiente ou algo assim, leva a uma atitude excludente. As pessoas não são iguais e nem devem ser. Essa diversidade, pluralidade e singularidade ao mesmo tempo é que deve ser exaltada: tanto a pluralidade entre as pessoas, mas principalmente a pluralidade existente na pessoa, em cada indivíduo. E como falar de uma diversidade que supervaloriza a deficiência das pessoas? Do que adianta saber de todas as potencialidades de determinada pessoa, se a primeira coisa que me vem à mente quando me lembro dela é que ela é cega? Para mim isso revela que inevitavelmente essa característica ainda é a que traduz a imagem dessa pessoa. Ainda é a mais forte, mais marcante, preponderante. A identidade de uma pessoa não se resume ao fato de sua capacidade ou falta de capacidade de enxergar. A deficiência é uma diferença que nasce na natureza, mas que o nosso comportamento construído sócio-historicamente trata de alimentar seu desenvolvimento.
Assim sendo, para que na se quebre o equilíbrio, não pode haver “órgãos estragados” ou em “mau funcionamento”. Um corpo com órgãos “deficientes” não é um “corpo social” bem-estruturado e em ordem. (RIBAS, p.15)
O autor João Baptista Cintra Ribas em seu livro “O que são pessoas deficientes” ao fazer analogia do corpo humano como corpo social, menciona que o corpo é composto de órgãos que devem estar bem estruturados para seu bom funcionamento. Menciona também que “órgãos estragados” podem quebrar o equilíbrio do corpo. Dessa forma, faz referência à sociedade quando fala em corpo e aos indivíduos quando fala em órgãos. No entanto, considero essa analogia ineficaz, uma vez que no corpo humano a existência de um órgão estragado leva a uma possível contaminação dos demais órgãos, o que seria bastante positivo se tal analogia fosse aplicável à nossa sociedade e diante de um “órgão estragado” ou pessoa com deficiência, assim como o corpo, a sociedade fosse contaminada, ao invés de lançar fora do corpo este órgão. Tal contaminação certamente levaria a uma maior sensibilização do corpo e maior atenção àquele órgão.
Á maneira da sociedade é provável que nos congratulemos com o fato de termos começado a pensar nas pessoas deficientes como doentes e não como vítmias da punição divina.(SHAKESPEARE)
O conceito do que é ordem, estruturação etc., também é algo que traz grande exclusão. Aprendemos o que é ordem e desordem. Existem conceitos pré-estabelecidos a esse respeito e que por jamais terem sido modificados, acabam por atingir diretamente as pessoas com deficiência. Esse conceito positivista que parte da frase de efeito da bandeira de nosso país, de que através da ordem alcança-se o progresso, ecoa na exclusão e marginalização. Afinal, o que é ordem? De que ordem está falando? Como proclamar essa idéia de ordem num país tão diversificado? É preciso questionar não a ordem, mas o conceito de ordem que permeia nossas mentes e se reflete naquilo que consideramos “fora de ordem”. Enquanto estiver em nossas consciências a imagem de um corpo humano em ordem como aquele com todos os braços e pernas, executando todas as suas funcionalidades motoras, sensoriais, mentais etc., teremos dificuldade em aceitar como normal ou em ordem aquele corpo que não segue esse padrão. O que há de mau em considerar esta “ordem ou padrão” é a equivalência da falta de algum órgão ou deficiência em alguma parte desse corpo constituir-se em desordem ou fora do normal. Questiono o achar fora do normal. O normal então é como a maioria é? Mas a maioria também tem diferenças. E aí nos detemos à questão de dimensão de diferenças. O nosso comportamento institui hierarquia entre as diferenças, mas pondero que talvez a questão não seja o tamanho das diferenças, mas sim a dimensão das providências tomadas para a minimização destas diferenças. A questão passa a ser então o quanto se faz para solucionar essas diferenças. Para o que é míope, existem óculos; aos que são obesos, cirurgias redutoras de estômago e diversos outros artifícios, e assim por diante. As diferenças se tornam menores porque as providências a seu respeito foram maiores. Seguindo essa lógica, reflito que a deficiência se tornaria uma diferença menor se as providências fossem maiores, se as providências fossem na dimensão diretamente proporcional ao tamanho da diferença da deficiência (pelo menos de nosso atual ponto de vista), talvez o corpo da pessoa com deficiência não fosse considerado assim tão em desordem. Este corpo teria condições de seguir sua ordem própria, alcançaria seu desenvolvimento e progresso próprios, particulares. Afinal, por que existir apenas um tipo de ordem ou de progresso? Não modifiquemos então o conceito de ordem, mas aceitemos outros tipos ou formas de ordem, sem considerá-los propriamente em desordem ou sem considerá-los incapazes de alcançar o progresso.
A integração ou falsa inclusão que acontece por meio dos centros de reabilitação é um insulto à idéia de diversidade, uma vez que intrinsecamente propõem que os indivíduos com algum tipo de deficiência se igualem ou se esforcem em igualar-se ao máximo aos tidos “normais” de nossa sociedade. Isso, definitivamente, não constitui inclusão. Já a própria nomenclatura da instituição, centro de reabilitação, sugere que ali vão aqueles que não estão habilitados ou que deixaram de ser habilitados para a sociedade e assim, precisam de reabilitação. Não entendemos porque a sociedade age assim porque a consideramos como algo que nos é externo ou distante de nós. Quando a analisamos, não tomamos por referência que a sociedade sou eu, somos nós. Eu sou a síntese dessa sociedade e, portanto, o pensamento e comportamento que a rege não é tão divergente do comportamento e pensamento que me rege. Considerando dessa forma, refletindo sobre a sociedade tão de perto, talvez se torne menos difícil compreender esse mecanismo de exclusão da pessoa com deficiência. É o valor que damos à deficiência que a torna tão diferente das demais diferenças e não suas determinações biológicas. Não existem pessoas com deficiência, o que existe é uma sociedade incapaz de aceitar outros padrões de normalidade, incapaz de reconhecer que o normal é ser diferente e incapaz de suscitar condições para tornar outros padrões de normalidade viáveis. Deficiência não é doença, não há nada que precise ser curado, sanado ou consertado numa pessoa com deficiência. Em geral, nada que coloque em risco sua saúde ou a impeça de viver saudavelmente. Algumas providências são necessárias ser tomadas para a otimização no desempenho de suas atividades, o que é completamente diferente de doença. A doença sim precisa de remédio, tratamento, porque é um processo, que trouxe alguma alteração na “normalidade” do corpo.
As pessoas procuram nos centros de reabilitação a correção para a deficiência, reafirmando o pensamento que permeia nossa sociedade, o pensamento de que há algo de errado naquelas denominadas “pessoas com deficiência”. Não faço crítica à tentativa, muitas vezes bem sucedida, da otimização de desempenho de atividade pelas pessoas com deficiência, no sentido de aperfeiçoar a ordem particular que rege a estrutura do seu corpo. No entanto, faço crítica à idéia de centros de reabilitação como centros de correção ou de promoção de uma aparência que seja menos agressiva aos olhos das pessoas “não-deficientes”. A deficiência não seria deficiência se a sociedade oferecesse subsídios necessários e estivesse estruturada tanto ao nível conceitual, quanto ao nível físico, arquitetônico, material etc., se se preocupassem menos em conceituá-las, em separá-las num grupo distinto, e se preocupassem mais na transformação da realidade social que enfrentam para torná-la uma diferença como outra qualquer ou da dimensão de uma outra diferença qualquer.
Referências Bibliográficas
RIBAS, João Baptista Cintra. O que são pessoas deficientes, coleção Primeiros Passos, Ed. Brasilienses.
SHAKESPEARE, Rosemary. Psicologia do Deficiente.
CARMO, Apolônio Abadio do. Deficiência física: a sociedade brasileira cria, “recupera” e discrimina. Brasília: Secretaria dos Desportos PR, 1991.
Resumo
Quando falamos sobre inclusão ou exclusão social, falta de acessibilidade das pessoas com deficiência aos diversos setores de nossa sociedade, é preciso ter em mente que as ações desta sociedade são pautadas pela maneira como pensa e vê as pessoas com deficiência.
O objetivo deste trabalho, desse modo, é compartilhar, ou até mesmo, cumpliciar questionamentos que desconfio não serem apenas meus. Compartilhar mais provocações do que mesmo soluções. Mais reflexões do que conclusões. E acredito, sinceramente, que é assim que deve ser. O ponto final ou a expressão “está pronto e acabado” por vezes constitui precocidade e equívoco. Tal fato torna-se ainda mais evidente quando o objeto de reflexão trata dos conceitos atribuídos às pessoas com deficiência Atualmente até mesmo para fazermos uso da expressão “pessoa com deficiência” existiu (ou existe) um longo e lento processo de transição, eivado por discussões várias, tendo em vista a ampla utilização de tantos outros termos, dentre eles: portador de deficiência, deficiente, excepcional, pessoas especiais.
O termo “deficiente” atribuído, via de regra, aos membros de uma sociedade que apresentem alguma forma de “anormalidade” ou de “diferenciação” perante os demais, quer no domínio cognitivo, afetivo ou motor, tem sido objeto de críticas e discussões entre os profissionais que lidam com os indivíduos assim designados. (CARMO, p.09)
Entretanto, apesar de ser objetivo deste trabalho a reflexão até mesmo do conceito de pessoa com deficiência e dos demais termos a estas relacionados, não pretendo entrar no mérito das correções, adequações ou inadequações destes termos. Pretendo sim, questionar a impetuosidade destas conceituações sobre o sujeito em questão: a pessoa com deficiência. Mais do que isso, correlacionar tal fato à realidade de exclusão vivida por estas pessoas. Nesse momento as trato de pessoas, apesar de na nossa sociedade serem reconhecidas apenas como “pessoas com deficiência” e, acima de tudo, sofrerem as graves conseqüências desta categorização. Pergunto: até quando o papel do psicólogo na sociedade será o de categorizar, diagnosticar e conduzir o indivíduo de volta à sociedade em que estamos inseridos? Quando disporá de suas técnicas e conhecimentos em favor da transformação da realidade e das conseqüências que sofrem os indivíduos de determinados grupos? Quando os profissionais da Psicologia se preocuparão menos em dar nomes aos sujeitos, alimentando voluntário ou involuntariamente a segregação e se preocuparão mais em conhecer, discutir e intervir nas conseqüências que tais categorizações causam aos sujeitos de determinados grupos e categorias? Mais do que isso: até quando esse será o comportamento adotado por todos nós? Esse trabalho apresenta, portanto, a simbólica tentativa de convidar o leitor a ver a imagem oculta da pessoa refletida sobre àquela tida como “pessoa com deficiência”. Devemos ter em mente que estas só se tornaram ao nosso olhar “com deficiência” porque temos pré-concebido o conceito de eficiência, e em antagonia ao conceito de eficiência surgem as pessoas com deficiência. Mais do que conceitualmente, a ineficiência destas pessoas passa a surgir quando do encontro com a deficiência da sociedade em oferecer os recursos necessários e que lhes são de direito para participarem igualitariamente do que a sociedade oferece: educação, saúde, esporte, lazer, trabalho, espaços físicos, turismo, etc. Caso contrário, se estivéssemos adequadamente qualificados, tanto em nível conceitual quanto atitudinal, talvez atentaríamos menos ao fato de determinada pessoa não enxergar, não ouvir, não andar. Seriam apenas pessoas. Com todas as suas vantagens e desvantagens em relação às outras, como é natural de todos nós. E uma de suas desvantagens em relação à outra pessoa não se tornaria o motivo de ser ou não ser reconhecida na sociedade que participa. Dessa maneira, a deficiência existe sim, mas a pessoa com deficiência não existe. Não existem pessoas com deficiência, o que existe é uma sociedade incapaz de aceitar outras formas de normalidade, incapaz de reconhecer que o normal é ser diferente e incapaz de suscitar condições para tornar outros padrões de normalidade viáveis.
Todos nós temos características, sejam físicas ou de personalidade, positivas ou negativas, excesso ou falta. As pessoas com deficiência também possuem tais características, no entanto, nestas há a sobreposição das características físicas, sensoriais, motoras, anatômicas etc. - em especial, as diferenças ou peculiaridades existentes nestas. Por exemplo: quando uma mulher chamada Cláudia que vende bijuterias e tem um cabelo lindo, filha de José e de Maria e que precisa usar cadeira de rodas, entra numa sala, ela não é mais Cláudia, que vende bijuterias, etc., ela é deficiente. Essa é a primeira característica a ser notada e sobressai às demais em qualquer lugar que ela se apresente. Quando queremos identificar alguém no meio da multidão, buscamos uma característica que a diferencie e a ajude a ser encontrada. Em geral, buscamos a cor ou tipo de roupa, o tamanho do cabelo, a estatura da pessoa, entre outros. Se a pessoa procurada possui como uma de suas características o fato de precisar usar uma cadeira de rodas, fica bem mais fácil encontrá-la ou diferenciá-la no meio da multidão, pois a idéia de que ser cadeirante é muito mais diferente do que ser baixo ou alto em relação a outras pessoas, está impregnada no consciente, inconsciente, subconsciente. Eu digo o que vejo. Eu faço o que penso. A maneira como vemos as situações é embasada no conceito formado e preestabelecido em nossas consciências. Conceitos sócio-historicos e culturalmente construídos. E que por atravessarem gerações apresentam-se rígidos, quase indestrutíveis, impossíveis de alterar, transformar. Como hoje, depois de todo esse tempo, ao olhar para uma determinada cor e identificá-la como azul, passar a chamá-la de branco? Se todo mundo chama de azul e me ensinaram que é azul? De que maneira poderia chamá-la de branco? Mas, quem foi que resolveu dizer que seria azul o seu nome? E por que decidiu isso? Difícil não? Se formos entrar no mérito do nome que se dá a cada coisa, objeto, característica, pessoa, animal, seria difícil mesmo. Mas não é esse o intuito. Quem foi que resolveu chamar as pessoas que precisam usar cadeira de rodas, ou não podem ouvir, ou não podem enxergar, de cadeirantes, surdas e cegas, respectivamente? Mas, saber essa resposta também não é o intuito aqui. Intriga-me saber por que diante da diversidade de características do ser humano, nas realidades citadas, umas se tornam tão diferentes e superiores às outras? Por serem mais notórias? Será? Talvez ao me deparar com uma pessoa que não pode ouvir, sem saber que ela possui essa característica, eu enxergue alguma outra que a diferencie aos meus olhos. Mas ao saber, ao perceber que ela não pode ouvir, ela automaticamente se torna a pessoa surda. Como se a surdez fosse uma característica mais diferente do que qualquer outra que a pessoa possui. E realmente é, não porque é, mas por que se tornou. Porque nada é “porque é”, tudo é “porque se torna”. E será que precisa ser pra sempre? Talvez eu não me importe que uma cor seja chamada de azul para sempre. Talvez eu não me importe em mudar seu nome para branco. Isso não interfere diretamente na minha vida, não me traz transtornos, não há um motivo especial, urgente ou necessário para haver essa modificação. Deve ser essa mesma lógica que seguimos ao continuar sem modificar nossos conceitos acerca das pessoas com deficiência. Isso não interfere diretamente nas nossas vidas, não nos traz transtornos, e nem constitui um motivo especial, urgente ou necessário. Qual a diferença em chamá-la de surda ou surda-muda, ou cega ou ceguinha, ou aleijada etc.? Eu lhes digo a diferença - ou ao menos a diferença que consigo enxergar: a diferença não está no nome que damos, mas em toda a construção conceitual, toda a significação que o nome traz. Essa significação traz a maneira como nos comportaremos, as nossas atitudes ao nos depararmos com a coisa. Se a construção elaborada em minha consciência sobre um bandido é de que ele anda mal-arrumado, com roupas específicas, tatuagens, entre outros, minha reação diante de alguém que eu encontre com essas características será de medo, pavor, aversão.
“As palavras são expressões verbais criadas a partir de uma imagem que a nossa mente constrói.” (RIBAS, p.08)
Ao nos referirmos à determinada pessoa como cega ou surda, por exemplo, revelamos que esta é a imagem que temos daquela pessoa, a primeira e/ou principal imagem que temos. Certamente, porém, aquela pessoa que não enxerga possui outras características, mas “ser cego” acaba por sobressair-se às demais, distinguindo-a ou diferenciado-a enfaticamente/pejorativamente das demais pessoas “não-cegas”, iniciando, a partir daí, o primeiro ou um dos primeiros passos rumo a uma atitude excludente. Na tentativa de ser mais clara, a característica de não poder ouvir, enxergar ou qualquer tipo de deficiência, acaba por ser o referencial na vida da pessoa. É positivo que o referencial na vida de uma pessoa seja a deficiência? Quando chamo uma pessoa de cega não estou valorizando-a como pessoa, em sua totalidade e diversidade de características e conteúdos, estou revelando que a maior diferença entre ela e as demais é que não pode enxergar.
“As pessoas deficientes talvez sejam um pouco mais diferentes, já que podem possuir sinais ou seqüelas mais notáveis.” (RIBAS, p.13)
Por que são mais notáveis? O que faz a notoriedade é a importância que damos: a elaboração ou construção que fazemos em nossa mente sobre a deficiência. Não daríamos valor ao ouro se não soubéssemos o que ele significa. Não é porque ele é mais notável, ou brilha, reluz mais. Vidro também reluz. A notoriedade atribuída à deficiência é pelo significado que ela tem em nossas mentes. A identidade daquela pessoa passa a girar em torno do fato de que ela não pode enxergar. Ainda que me policie e passe a chamar todas as pessoas com deficiência ou não, pelos seus respectivos nomes (Roberto, Ana Maria, por exemplo), está intrínseca à mente de nossa sociedade a supervalorização da deficiência em detrimento das potencialidades da pessoa. Quero dizer que o fato de chamá-los de cegos, surdos, cadeirantes já traz intrínseca a idéia de exaltação do que a pessoa não pode fazer. Essa atitude por si só constitui-se num passo significativo à exclusão. O problema, no entanto, não reside no nome que se dá, mas na supervalorização do nome que se dá, do adjetivo. Quando faço crítica a essa supervalorização do adjetivo deixo de lado a hipocrisia e me detenho a comentar que nada há de bonito em não poder enxergar, ouvir ou andar. Não consigo ver beleza, encontrar benefícios em tal fato: acredito que por isso se chama deficiência; por isso se deu esse nome que carrega como significado, segundo o Aurélio: “falta, carência, insuficiência”. O que não deixa de ser verdade, falta de visão ou insuficiência de audição. Não é isso que está em questão. Todos nós somos adjetivados o tempo inteiro. Adjetivos positivos, outros negativos, outros apenas adjetivos. O alvo de nossa reflexão reside no fato de ser quase que unanimidade a ênfase da deficiência nas pessoas que as vivem. Não há nada de glorioso em chamar qualquer que seja a pessoa, de pessoa com deficiência. Se estamos diante de uma pessoa com deficiência, revelamos que há falta, carência, insuficiência de algo nela. E lhes pergunto: que vantagem há nisso? Mais ainda. Numa sociedade que supervaloriza a estética, o trabalho, a produtividade, a forma física, a “perfeição” e que institui um padrão de pessoa “normal”, que vantagem há em ser uma “pessoa com deficiência”? Não consigo encontrar benefícios. Mas reconheço a necessidade de adjetivá-las, de separar pessoas com determinadas características num grupo denominado “pessoas com deficiência”. Reconheço essa necessidade quando para discutir seus direitos ou assuntos pertinentes à inclusão social de tais pessoas - pois ainda não alcançamos tal patamar - mas questiono a necessidade que há em supervalorizarmos esses adjetivos no cotidiano, no dia-a-dia. Questiono essa igualdade ou política de igualdade que supervaloriza a deficiência da pessoa, como querendo que a deficiência seja vista como uma coisa positiva. Que paradoxo! Questiono essa política que quer obrigar nossas mentes e as próprias mentes gestoras de tal política, a aceitar ou reconhecer a cegueira, surdez como uma característica tão positiva quanto outras, na tentativa de minimização de um assunto tão sério. Nossas mentes aprenderam a funcionar sempre destacando as características negativas das pessoas. E após detectarem as características negativas, automaticamente, essas pessoas são segregadas e marginalizadas. Refiro-me aqui, também, às pessoas que cometem furtos, que viram ladras e agora essa passa a ser sua principal característica. Como se esta pessoa furtasse o dia inteiro e todos os dias. Quem é cego, certamente é cego o dia inteiro e todos os dias, mas certamente não é apenas cego. Por isso, quando denominamos alguém de pessoa com deficiência, já damos o primeiro passo à exclusão. Deficiência não é positivo, principalmente a imagem que construímos a seu respeito em nossas mentes. E em nossa sociedade o adjetivo que soa negativo, seja ele, deficiente ou algo assim, leva a uma atitude excludente. As pessoas não são iguais e nem devem ser. Essa diversidade, pluralidade e singularidade ao mesmo tempo é que deve ser exaltada: tanto a pluralidade entre as pessoas, mas principalmente a pluralidade existente na pessoa, em cada indivíduo. E como falar de uma diversidade que supervaloriza a deficiência das pessoas? Do que adianta saber de todas as potencialidades de determinada pessoa, se a primeira coisa que me vem à mente quando me lembro dela é que ela é cega? Para mim isso revela que inevitavelmente essa característica ainda é a que traduz a imagem dessa pessoa. Ainda é a mais forte, mais marcante, preponderante. A identidade de uma pessoa não se resume ao fato de sua capacidade ou falta de capacidade de enxergar. A deficiência é uma diferença que nasce na natureza, mas que o nosso comportamento construído sócio-historicamente trata de alimentar seu desenvolvimento.
Assim sendo, para que na se quebre o equilíbrio, não pode haver “órgãos estragados” ou em “mau funcionamento”. Um corpo com órgãos “deficientes” não é um “corpo social” bem-estruturado e em ordem. (RIBAS, p.15)
O autor João Baptista Cintra Ribas em seu livro “O que são pessoas deficientes” ao fazer analogia do corpo humano como corpo social, menciona que o corpo é composto de órgãos que devem estar bem estruturados para seu bom funcionamento. Menciona também que “órgãos estragados” podem quebrar o equilíbrio do corpo. Dessa forma, faz referência à sociedade quando fala em corpo e aos indivíduos quando fala em órgãos. No entanto, considero essa analogia ineficaz, uma vez que no corpo humano a existência de um órgão estragado leva a uma possível contaminação dos demais órgãos, o que seria bastante positivo se tal analogia fosse aplicável à nossa sociedade e diante de um “órgão estragado” ou pessoa com deficiência, assim como o corpo, a sociedade fosse contaminada, ao invés de lançar fora do corpo este órgão. Tal contaminação certamente levaria a uma maior sensibilização do corpo e maior atenção àquele órgão.
Á maneira da sociedade é provável que nos congratulemos com o fato de termos começado a pensar nas pessoas deficientes como doentes e não como vítmias da punição divina.(SHAKESPEARE)
O conceito do que é ordem, estruturação etc., também é algo que traz grande exclusão. Aprendemos o que é ordem e desordem. Existem conceitos pré-estabelecidos a esse respeito e que por jamais terem sido modificados, acabam por atingir diretamente as pessoas com deficiência. Esse conceito positivista que parte da frase de efeito da bandeira de nosso país, de que através da ordem alcança-se o progresso, ecoa na exclusão e marginalização. Afinal, o que é ordem? De que ordem está falando? Como proclamar essa idéia de ordem num país tão diversificado? É preciso questionar não a ordem, mas o conceito de ordem que permeia nossas mentes e se reflete naquilo que consideramos “fora de ordem”. Enquanto estiver em nossas consciências a imagem de um corpo humano em ordem como aquele com todos os braços e pernas, executando todas as suas funcionalidades motoras, sensoriais, mentais etc., teremos dificuldade em aceitar como normal ou em ordem aquele corpo que não segue esse padrão. O que há de mau em considerar esta “ordem ou padrão” é a equivalência da falta de algum órgão ou deficiência em alguma parte desse corpo constituir-se em desordem ou fora do normal. Questiono o achar fora do normal. O normal então é como a maioria é? Mas a maioria também tem diferenças. E aí nos detemos à questão de dimensão de diferenças. O nosso comportamento institui hierarquia entre as diferenças, mas pondero que talvez a questão não seja o tamanho das diferenças, mas sim a dimensão das providências tomadas para a minimização destas diferenças. A questão passa a ser então o quanto se faz para solucionar essas diferenças. Para o que é míope, existem óculos; aos que são obesos, cirurgias redutoras de estômago e diversos outros artifícios, e assim por diante. As diferenças se tornam menores porque as providências a seu respeito foram maiores. Seguindo essa lógica, reflito que a deficiência se tornaria uma diferença menor se as providências fossem maiores, se as providências fossem na dimensão diretamente proporcional ao tamanho da diferença da deficiência (pelo menos de nosso atual ponto de vista), talvez o corpo da pessoa com deficiência não fosse considerado assim tão em desordem. Este corpo teria condições de seguir sua ordem própria, alcançaria seu desenvolvimento e progresso próprios, particulares. Afinal, por que existir apenas um tipo de ordem ou de progresso? Não modifiquemos então o conceito de ordem, mas aceitemos outros tipos ou formas de ordem, sem considerá-los propriamente em desordem ou sem considerá-los incapazes de alcançar o progresso.
A integração ou falsa inclusão que acontece por meio dos centros de reabilitação é um insulto à idéia de diversidade, uma vez que intrinsecamente propõem que os indivíduos com algum tipo de deficiência se igualem ou se esforcem em igualar-se ao máximo aos tidos “normais” de nossa sociedade. Isso, definitivamente, não constitui inclusão. Já a própria nomenclatura da instituição, centro de reabilitação, sugere que ali vão aqueles que não estão habilitados ou que deixaram de ser habilitados para a sociedade e assim, precisam de reabilitação. Não entendemos porque a sociedade age assim porque a consideramos como algo que nos é externo ou distante de nós. Quando a analisamos, não tomamos por referência que a sociedade sou eu, somos nós. Eu sou a síntese dessa sociedade e, portanto, o pensamento e comportamento que a rege não é tão divergente do comportamento e pensamento que me rege. Considerando dessa forma, refletindo sobre a sociedade tão de perto, talvez se torne menos difícil compreender esse mecanismo de exclusão da pessoa com deficiência. É o valor que damos à deficiência que a torna tão diferente das demais diferenças e não suas determinações biológicas. Não existem pessoas com deficiência, o que existe é uma sociedade incapaz de aceitar outros padrões de normalidade, incapaz de reconhecer que o normal é ser diferente e incapaz de suscitar condições para tornar outros padrões de normalidade viáveis. Deficiência não é doença, não há nada que precise ser curado, sanado ou consertado numa pessoa com deficiência. Em geral, nada que coloque em risco sua saúde ou a impeça de viver saudavelmente. Algumas providências são necessárias ser tomadas para a otimização no desempenho de suas atividades, o que é completamente diferente de doença. A doença sim precisa de remédio, tratamento, porque é um processo, que trouxe alguma alteração na “normalidade” do corpo.
As pessoas procuram nos centros de reabilitação a correção para a deficiência, reafirmando o pensamento que permeia nossa sociedade, o pensamento de que há algo de errado naquelas denominadas “pessoas com deficiência”. Não faço crítica à tentativa, muitas vezes bem sucedida, da otimização de desempenho de atividade pelas pessoas com deficiência, no sentido de aperfeiçoar a ordem particular que rege a estrutura do seu corpo. No entanto, faço crítica à idéia de centros de reabilitação como centros de correção ou de promoção de uma aparência que seja menos agressiva aos olhos das pessoas “não-deficientes”. A deficiência não seria deficiência se a sociedade oferecesse subsídios necessários e estivesse estruturada tanto ao nível conceitual, quanto ao nível físico, arquitetônico, material etc., se se preocupassem menos em conceituá-las, em separá-las num grupo distinto, e se preocupassem mais na transformação da realidade social que enfrentam para torná-la uma diferença como outra qualquer ou da dimensão de uma outra diferença qualquer.
Referências Bibliográficas
RIBAS, João Baptista Cintra. O que são pessoas deficientes, coleção Primeiros Passos, Ed. Brasilienses.
SHAKESPEARE, Rosemary. Psicologia do Deficiente.
CARMO, Apolônio Abadio do. Deficiência física: a sociedade brasileira cria, “recupera” e discrimina. Brasília: Secretaria dos Desportos PR, 1991.
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